Na tua boca eu pus meu âmago
E mesmo assim, enverguei-me de paixão
Pelo cheiro da música, pelo toque do poema
E pela textura da canção
Que a tua alma sempre canta
Nesse teatro, meu papel final
É do bandido que não cede à prisão
Cada pedaço de céu me lembra
Teu falso beijo naquela cena
Se vieres pra qualquer loucura minha
Não vista a tua armadura de razão
Pois, esta é pedra, e meu sopro é veneno
Para as flores já mortas do teu verão
Nesse teatro, meu papel final
É do bandido que não cede à prisão
Cada pedaço de céu me lembra
Teu falso beijo naquela cena
Por mais que tu ames o meu signo
Somos carinhos que também ferem por medo
Todo homem é seu próprio Deus da mentira
E a minha vida foi roteiro pra um espetáculo de exageros
Nossa bandeira mais bonita
Quando vamos levantar?
Vãos entre coisas que lutamos
E o que sentimos é tão frágil
Tudo o que faço é pelas flores
Que, eu feito fruto, me doei até sangrar
Quem dera a nossa juventude
Fosse a tanta ternura que já cansamos de esperar
Todas as canções, todos os livros
Todos os ritos que compomos pra encantar
São exércitos invencíveis
Que sangram, emotivos, o que não deixamos de acreditar
Quanto vale o meu grito
Enquanto o silêncio for o canto mais ouvido?
Quanto vale o que acredito
Enquanto o mundo acredita que tudo está perdido?
Eu me cortei com um fio de esperança
Sangrei tanta luz que até ceguei quem tentava me curar
Eu me passei por criança
Enquanto as nuvens explodiam sem culpa e sem parar
Tudo o que faço é por meus filhos
Que, eu feito fruto, me doei até sangrar
Quem dera toda humanidade
Fosse o berço da mudança que já cansamos de sonhar
Todas as canções, todos os hinos
Todos os ritos que compomos pra enfrentar
Nossos verdadeiros inimigos
Que, ora, estão vivos, vivos enquanto eu calar
Só, na minha escrivaninha
Eu salvo o mundo inteiro
Usando almas de tinta
Por tanto tempo
O público foi meu silêncio
Meu quarto foi meu palco
E os espelhos, as manchetes nos jornais
Eu sou compositor
E a solidão é minha travessia
É que aprendi a colher a beleza que havia
dentro de mim
Por estas noites tão curtas
Pro tanto que eu não queria dormir
Eu, que sempre acreditei na força da vida
Tenho para a minha um plano infalível:
“Eu só preciso da beleza de um sonho
Para superar a grandeza do impossível”
Por tanto tempo as palavras me sangraram
Como as grades sangram o prisioneiro
Hoje, as palavras ainda me sangram
Mas, agora é como se eu doasse sangue para o mundo inteiro
Se olhar nos meus olhos
Vai ter certeza
Do quanto vale o meu silêncio
Se olhar como quem lê um livro
Vai enxergar minha alma
E isso eu não permito
É tão difícil
Se doar sem correr algum risco
Pois quando não temos mais segredos
Nos tornamos reféns do saber alheio
E mesmo que tenha no rosto os sinais
De uma simples poesia
Quem me escreveu hoje pena
Pra me decifrar todo dia
Tenho a força de quem respira
E a agonia de quem quer respirar
Sou pedaço e não padeço
Por outro pedaço pra me completar
Eu tenho a luz e a chama da solidão
Sou a vela nos olhos do moço e do ancião
Sou fogo fátuo, sou filho bastardo do meu coração
Metade vazio, metade imensidão
Depois do último fogo de artifício, da última taça de vinho, as promessas de reciclagem e esperança. Instantaneamente, crio uma lixeira imaginária para colocar todos os erros, rancores e fraquezas do ano anterior. Eu poderia ter feito isso em outubro ou novembro, mas, esperar até o fim do ano é uma tradição inerente de todo ser humano que possui todos os cisos.
“Que tudo se realize no ano que vai nascer”. Ouvir isso é como andar por uma ponte de lã e esperar que ela aguente o peso de nossa própria alma. Os primeiros dias precisam ser maravilhosos. Nada pode dar errado entre 1 e 10 de janeiro. Não pode chover no dia 3, ninguém pode morrer no dia 8. E é assim, brincando de ser Deus, que a gente trilha os primeiros passos de nossa nova vida temporal.
Agora parece ser a hora exata para o tempo fechar e começar a chover interrogações. Convencionou-se recomeçar a partir daquela tal meia-noite, então, vamos la: perdoe, reveja, relembre, renasça. Sentiu-se melhor esperando esse tempo todo para subtrair de seu mundo as coisas que não te encantam? Incrível é uma rolha de Champagne voar a ponto de conseguir dividir sua vida.
A gente amadurece e a maturidade nos traz uma sensação vazia de apoteose. Basta olhar para dentro de nós quando aconselhamos alguém. Basta olhar para fora de casa e enxergar nossos carros na garagem. Triste realidade: Não somos mais feitos de sonhos.
Por falar em sonhos, ontem encontrei um antigo caderno. Por entres páginas arrancandas e outras sofridas, havia uma com as seguintes anotações:
Os 20 objetivos de um sonhador:
Conhecer o mundo inteiro do meu quarto;
Abrir uma loja de doces;
Comprar a discografia do Montenegro;
Trocar menos palavras e mais olhares;
Dar mais atenção ao que me silencia e me faz perder o fôlego.
Havia mais 15 coisas, em todas passadas um traço. Onde será que perdi todos esses outros sonhos?
Meu prelúdio de vida nova veio repleto de incongruências e trilhas montanhosas, estou em pé de guerra com meu infinito. Ainda não vi nada dos sorrisos que a tv nos injeta dezembro a fora. Meus sonhos estão dormentes e meus planos ainda parecem absurdos. A temporal vida passada não me parece um barco em pleno naufrágio, já que os mares que atravessei permanecem iguais. Continuo com os mesmos medos, com as mesmas dúvidas e a com a mesma vontade de driblar o inevitável.
Meus cortes não fecharam e outros já se abriram em menos de uma semana depois do último fogo de artíficio, da última taça de vinho.
Eu te amo. Eu já volto.
Vou lá fora forjar uma fuga
Cadê meus sapatos?
Cadê teus palpites?
Cadê a verve que um dia
eu chamei de poesia?
Eu te amo. Eu não volto.
Fui lá fora e me apaixonei pela chuva
Cadê teu sereno?
Tuas gotas pequenas
são breves invernos
são breves eternos
Como posso calar
diante dessa falta tanta?
Há tantos sonhos escondidos
em tantos corpos vencidos sobre a cama
Como posso falar
diante desse carnaval de certezas?
Há tantas razões escondidas
em tantas vozes reprimidas pela delicadeza
Eu te amo. Eu já volto
Vou amar como quem compõe uma música
Cadê tua pureza?
Cadê tua imensidão?
Só me mostras a incerteza
dos próprios pontos de interrogação
Eu te amo. Eu não volto
Vou voar como quem ouve uma música
Cadê tuas asas?
Cadê tua infância?
Só me mostras a beleza
que já não tem mais importância
E onde será que vivem os sonhos
de quem desistiu de sonhar?
Onde é que repousa o amor
dos que tem ódio no olhar?
Em um novo mundo atrás da porta
ou na velha porta a se fechar
Talvez nos velhos mundos do coração
No universo que não rimará