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Conta-gotas

E quando não há vida?
E quando a vida é uma prisão?
Quando o sorriso é teatro
E os atores são raros
Acaso e predestinação

E quando não há poesia?
E quando é lasciva enquanto canção?
Quando a lágrima dança
Nas maçãs do teu rosto
Exposto ao escudo e a munição

Olhar pra tua fotografia
É ser o Cristo mal quisto
O rei mal vestido
O pior dos ladrões

Meu coração não suporta
A sombra do porta-retrato
E o sol dos teus porões

Quando eu te encontrei naquela rua
Todo vestido de orgulho
Quase fui humilhar teu perdão

Mas, imune, voltei pra casa
Nua, tonta e ferida
E um conta-gotas de vida nas mãos

Ithalo Furtado

Âmago

Na tua boca eu pus meu âmago
E mesmo assim, enverguei-me de paixão
Pelo cheiro da música, pelo toque do poema
E pela textura da canção
Que a tua alma sempre canta

Nesse teatro, meu papel final
É do bandido que não cede à prisão
Cada pedaço de céu me lembra
Teu falso beijo naquela cena

Se vieres pra qualquer loucura minha
Não vista a tua armadura de razão
Pois, esta é pedra, e meu sopro é veneno
Para as flores já mortas do teu verão

Nesse teatro, meu papel final
É do bandido que não cede à prisão
Cada pedaço de céu me lembra
Teu falso beijo naquela cena

Por mais que tu ames o meu signo
Somos carinhos que também ferem por medo
Todo homem é seu próprio Deus da mentira
E a minha vida foi roteiro pra um espetáculo de exageros

. Ithalo Furtado

O Compositor de Sonhos

Nossa bandeira mais bonita
Quando vamos levantar?
Vãos entre coisas que lutamos
E o que sentimos é tão frágil 

Tudo o que faço é pelas flores
Que, eu feito fruto, me doei até sangrar
Quem dera a nossa juventude
Fosse a tanta ternura que já cansamos de esperar 

Todas as canções, todos os livros
Todos os ritos que compomos pra encantar
São exércitos invencíveis
Que sangram, emotivos, o que não deixamos de acreditar 

Quanto vale o meu grito
Enquanto o silêncio for o canto mais ouvido?
Quanto vale o que acredito
Enquanto o mundo acredita que tudo está perdido? 

Eu me cortei com um fio de esperança
Sangrei tanta luz que até ceguei quem tentava me curar
Eu me passei por criança
Enquanto as nuvens explodiam sem culpa e sem parar 

Tudo o que faço é por meus filhos
Que, eu feito fruto, me doei até sangrar
Quem dera toda humanidade
Fosse o berço da mudança que já cansamos de sonhar 

Todas as canções, todos os hinos
Todos os ritos que compomos pra enfrentar
Nossos verdadeiros inimigos
Que, ora, estão vivos, vivos enquanto eu calar

Ithalo Furtado

Compositor

Só, na minha escrivaninha
Eu salvo o mundo inteiro
Usando almas de tinta 

Por tanto tempo
O público foi meu silêncio
Meu quarto foi meu palco
E os espelhos, as manchetes nos jornais 

Eu sou compositor
E a solidão é minha travessia
É que aprendi a colher a beleza que havia
dentro de mim
Por estas noites tão curtas
Pro tanto que eu não queria dormir 

Eu, que sempre acreditei na força da vida
Tenho para a minha um plano infalível:
“Eu só preciso da beleza de um sonho
Para superar a grandeza do impossível”

Por tanto tempo as palavras me sangraram
Como as grades sangram o prisioneiro
Hoje, as palavras ainda me sangram
Mas, agora é como se eu doasse sangue para o mundo inteiro

 

Ithalo Furtado
@ithalofurtado

A luz e a chama

Se olhar nos meus olhos
Vai ter certeza
Do quanto vale o meu silêncio
Se olhar como quem lê um livro
Vai enxergar minha alma
E isso eu não permito 

É tão difícil
Se doar sem correr algum risco
Pois quando não temos mais segredos
Nos tornamos reféns do saber alheio 

E mesmo que tenha no rosto os sinais
De uma simples poesia
Quem me escreveu hoje pena
Pra me decifrar todo dia 

Tenho a força de quem respira
E a agonia de quem quer respirar
Sou pedaço e não padeço
Por outro pedaço pra me completar

Eu tenho a luz e a chama da solidão
Sou a vela nos olhos do moço e do ancião
Sou fogo fátuo, sou filho bastardo do meu coração
Metade vazio, metade imensidão

Ithalo Furtado

Os 20 objetivos de um sonhador

Depois do último fogo de artifício, da última taça de vinho, as promessas de reciclagem e esperança. Instantaneamente, crio uma lixeira imaginária para colocar todos os erros, rancores e fraquezas do ano anterior. Eu poderia ter feito isso em outubro ou novembro, mas, esperar até o fim do ano é uma tradição inerente de todo ser humano que possui todos os cisos.

“Que tudo se realize no ano que vai nascer”. Ouvir isso é como andar por uma ponte de lã e esperar que ela aguente o peso de nossa própria alma. Os primeiros dias precisam ser maravilhosos. Nada pode dar errado entre 1 e 10 de janeiro. Não pode chover no dia 3, ninguém pode morrer no dia 8. E é assim, brincando de ser Deus, que a gente trilha os primeiros passos de nossa nova vida temporal.

Agora parece ser a hora exata para o tempo fechar e começar a chover interrogações. Convencionou-se recomeçar a partir daquela tal meia-noite, então, vamos la: perdoe, reveja, relembre, renasça. Sentiu-se melhor esperando esse tempo todo para subtrair de seu mundo as coisas que não te encantam? Incrível é uma rolha de Champagne voar a ponto de conseguir dividir sua vida.

A gente amadurece e a maturidade nos traz uma sensação vazia de apoteose. Basta olhar para dentro de nós quando aconselhamos alguém. Basta olhar para fora de casa e enxergar nossos carros na garagem. Triste realidade: Não somos mais feitos de sonhos.

Por falar em sonhos, ontem encontrei um antigo caderno. Por entres páginas arrancandas e outras sofridas, havia uma com as seguintes anotações:

Os 20 objetivos de um sonhador:

  1. Conhecer o mundo inteiro do meu quarto;
  2. Abrir uma loja de doces;
  3. Comprar a discografia do Montenegro;
  4. Trocar menos palavras e mais olhares;
  5. Dar mais atenção ao que me silencia e me faz perder o fôlego.

Havia mais 15 coisas, em todas passadas um traço. Onde será que perdi todos esses outros sonhos?

Meu prelúdio de vida nova veio repleto de incongruências e trilhas montanhosas, estou em pé de guerra com meu infinito. Ainda não vi nada dos sorrisos que a tv nos injeta dezembro a fora. Meus sonhos estão dormentes e meus planos ainda parecem absurdos. A temporal vida passada não me parece um barco em pleno naufrágio, já que os mares que atravessei permanecem iguais. Continuo com os mesmos medos, com as mesmas dúvidas e a  com a mesma vontade de driblar o inevitável.

Meus cortes não fecharam e outros já se abriram em menos de uma semana depois do último fogo de artíficio, da última taça de vinho.

Ithalo Furtado

Um novo mundo atrás da porta

Eu te amo. Eu já volto.
Vou lá fora forjar uma fuga
Cadê meus sapatos?
Cadê teus palpites?
Cadê a verve que um dia
eu chamei de poesia?

Eu te amo. Eu não volto.
Fui lá fora e me apaixonei pela chuva
Cadê teu sereno?
Tuas gotas pequenas
são breves invernos
são breves eternos

Como posso calar
diante dessa falta tanta?
Há tantos sonhos escondidos
em tantos corpos vencidos sobre a cama

Como posso falar
diante desse carnaval de certezas?
Há tantas razões escondidas
em tantas vozes reprimidas pela delicadeza

Eu te amo. Eu já volto
Vou amar como quem compõe uma música
Cadê tua pureza?
Cadê tua imensidão?
Só me mostras a incerteza
dos próprios pontos de interrogação

Eu te amo. Eu não volto
Vou voar como quem ouve uma música
Cadê tuas asas?
Cadê tua infância?
Só me mostras a beleza
que já não tem mais importância

E onde será que vivem os sonhos
de quem desistiu de sonhar?
Onde é que repousa o amor
dos que tem ódio no olhar?
Em um novo mundo atrás da porta
ou na velha porta a se fechar
Talvez nos velhos mundos do coração
No universo que não rimará

Ithalo Furtado

Pássaros do chão

Às vezes é preciso se perder
Se embriagar de estrelas
E das canções que não se escutam mais

O mundo é sempre tão perfeito
Há charme no perigo
Há tanta beleza no que não se vê

Hoje a gente quer a vida
E espera sem demora
Um mundo mais sensível

A gente espera um barco a vela
Já nos cansamos de tudo
Que é rápido demais

Às vezes é preciso desmedir
Fugir pra outra cidade
Sem ter que buscar respostas

A vida é sempre tão intensa
Olhe pro céu e veja
O que com os olhos não se pode ver

Hoje a gente sonha só
Por que os sonhadores
São pássaros do chão

A gente quer o coração mais forte
Já nos cansamos de tudo
Que é plástico demais

Ithalo Furtado

A Fábrica de Uniformes

Nos deram uniformes
Máscaras e convenções
Nos vomitaram teorias
“O mundo é assim mesmo”
Somos forma e conceito, eternos padrões

O pensamento é inafiançável
E conhecimento só se vende aqui
Na fábrica dos sonhos permitidos
Nem tente, nenhum outro sonho pode existir

São nosso pais, os mestres de outrora
Que aprenderam a obedecer
Todas as estranhas regras
Que convencionou-se engrandecer

Cada um de nós é iluminado
demais para perceber
que a luz está do nosso lado
Que mal há em perguntar “por quê”?

Se nos deram uniformes
Se nos ensinaram a não questionar
Vamos inventar perguntas
para as respostas que esqueceram de fabricar

E quando o Senhor de todas as idéias
ousar interromper nossa canção
Eu ja terei deixado em tua cabeça e coração
meu ponto de interrogação

Ithalo Furtado

As rimas

Nas mãos, um punhado de mágoas
E uma saudade tanta
Que não me cabe entender
Pelo sol
Pela alma
Pelo sorriso de alguém que ainda nem nasceu

Cantar é meu destino
Sonhar é minha função
A esperança é o álibi
Para as coisas que faço com coração

Nas mãos, uns poucos trocados pro café
Que me devolve a noite
Sem que eu precise renascer
Sem horário
Sem pressa
Sem caminhos ao amanhecer

Sonhar é meu caminho
Cantar minha confusão
O que canto é tão estranho
É que fiz das rimas, coração

Ithalo Furtado